A Seap. A Irmãos Anjos. A Poly Comércio. O Telefone Idêntico . Os Vínculos Familiares. A Fraude e a Denúncia


 

O Antagônico recebeu e publica abaixo denúncia envolvendo uma licitação da SEAP e as empresas Irmãos Anjos Ltda e Poly Comércio e Serviços Ltda. De acordo com a denúncia as empresas apresentam fortes indícios de vínculos societários e familiares, identidade de atividades empresariais e proximidade física entre os estabelecimentos, configurando o que a doutrina e jurisprudência denominam grupo econômico informal ou oculto, cuja atuação coordenada viola os princípios da legalidade, moralidade, isonomia e competitividade que regem as contratações públicas.

De acordo com a documentação enviada a O Antagônico as empresas possuem o mesmo telefone, mesma atividade principal e mesmas atividades secundárias, sendo que ambas estão localizadas na Travessa Mauriti, no bairro da Pedreira, em Belém. Leia a representação abaixo:

REPRESENTAÇÃO ADMINISTRATIVA POR IRREGULARIDADE EM LICITAÇÃO

PROCESSO LICITATÓRIO: Pregão Eletrônico nº 90016/2025/SEAP

OBJETO: Aquisição de material de higiene e limpeza

I – DOS FATOS

O presente expediente tem por objeto representar, com base no interesse público, sobre a regularidade da participação simultânea das empresas IRMÃOS ANJOS LTDA (CNPJ nº 01.552.709/0001-62) e POLY COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA (CNPJ nº 97.540.729/0001-92) no certame em epígrafe, diante da existência de fortes indícios de vínculos societários e familiares, identidade de atividades empresariais e proximidade física entre os estabelecimentos, configurando o que a doutrina e jurisprudência denominam grupo econômico informal ou oculto, cuja atuação coordenada viola os princípios da legalidade, moralidade, isonomia e competitividade que regem as contratações públicas no Brasil.

Dentre os elementos já identificados nos documentos públicos e fiscais extraídos da Receita Federal, Junta Comercial e Prefeitura de Belém (cf. Anexos 1 a 14 – documentos fiscais e societários das empresas IRMÃOS ANJOS LTDA e POLY COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA), destacam-se os seguintes fatos:

1. Mesma atividade principal e mesmas atividades secundárias (CNAEs) – Ambas atuam no comércio atacadista de produtos de higiene, limpeza, materiais de escritório e correlatos. Inclusive, ressalte-se que os CNAES relacionados estão na mesma sequência no cartão CNPJ (Anexos 1 e 8 – Cartões CNPJ das empresas);

2. Localização extremamente próxima – Ambas estão localizadas na Travessa Mauriti, Bairro da Pedreira, em Belém/PA. A empresa IRMÃOS ANJOS LTDA está no nº 734, enquanto a POLY COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA está no nº 695 – distância inferior a 100 metros (Anexo 15 – Imagem da distância entre os estabelecimentos);

3. Telefone idêntico – Os documentos de inscrição municipal das duas empresas apresentam o mesmo número de telefone: (91) 3254-2800 (Anexos 6 e 13 – Inscrição municipal de ambas as empresas);

4. Contador em comum – Ambas as empresas têm como responsável técnico contábil o Sr. JOÃO LUIZ DA SILVA VIEIRA, CPF nº 145.461.592-34, CRC nº 009782/O-4 (Anexos 5 e 12 – Balanços patrimoniais das empresas);

5. Balanços patrimoniais assinados pelo mesmo contador, no mesmo padrão técnico, com declarações idênticas de ausência de auditoria independente, ausência de conselho fiscal e mesmas práticas contábeis (Anexos 5 e 12 – Balanços patrimoniais com mesmas declarações);

6. Coincidência dos sobrenomes dos sócios – “DOS ANJOS” aparece em ambos os quadros societários (PAULO EDSON DOS ANJOS BRAGA, PRISCILA CRUZ DOS ANJOS, LUZIA MARILENE FERREIRA DOS ANJOS, EDMILSON DANIEL DOS ANJOS JÚNIOR), demonstrando grupo familiar interligado (Anexos 2, 4, 9, 11 – QSA e documentos dos sócios);

7. Participação coordenada nos mesmos itens e lotes:Foi capturado print da tela do sistema ComprasGov (Anexo 16) que demonstra que as duas empresas ofertaram propostas em sequência no mesmo lote, com lances subsequentes e aparentemente coordenados, o que configura manobra para manipulação dos preços e violação à isonomia entre os licitantes.

8. Propostas com os mesmos produtos, descrições, marcas e fabricantes:

Após análise comparativa das propostas apresentadas pelas duas empresas, verifica-se a identidade textual na descrição dos itens, mesmas marcas e mesmos fabricantes, o que reforça o indício de que ambas estão atuando sob a mesma orientação comercial e logística (Anexos 17 e 18 – Propostas de preço iniciais apresentadas pelas empresas).

Exemplo:·        

Item “Absorvente Feminino Noturno”, com o mesmo fabricante MILI e valor unitário idêntico de R$ 4,32, ofertado por ambas as empresas·        

Itens como barbeadores, cremes dentais, escovas dentais, fraldas e sabonetes também seguem esse mesmo padrão de repetição, com diferenças mínimas apenas nos lotes e quantidades.

Além disso, conforme análise das certidões de inteiro teor da Juntas Comercial do Estado do Pará – JUCEPA, foi possível identificar coincidência de domicílio residencial entre os sócios das duas empresas. O sócio da empresa POLY, PAULO EDSON DOS ANJOS BRAGA, possui domicílio na Travessa Mauriti, nº 608, o mesmo endereço residencial de LUZIA MARILENE FERREIRA DOS ANJOS e EDMILSON DANIEL DOS ANJOS, da empresa IRMÃOS ANJOS LTDA – evidência inequívoca de conexão familiar direta, sobreposição de domicílio e gestão informal compartilhada (Anexos 7 e 14 – Certidões de inteiro teor da JUCEPA).

II – DO DIREITO

1. Da vedação à prática de conluio, cartel e simulação de competitividade

A Lei nº 14.133/2021, em seu art. 5º, inciso IV, impõe vedação expressa à frustração do caráter competitivo do certame:

Art. 5º, IV – É vedado aos licitantes frustrar o caráter competitivo da licitação, mediante acordos, combinações ou qualquer outro expediente que prejudique a isonomia entre os concorrentes.

No mesmo sentido, o art. 9º, III da nova Lei de Licitações, ao vedar a participação de empresas controladas ou coligadas, visa evitar o controle indireto de resultados por um único grupo:

Art. 9º. É vedada a participação, direta ou indireta, na licitação ou na execução do contrato, de:

III – empresas coligadas, consorciadas ou controladas entre si, salvo nas hipóteses expressamente previstas nesta Lei;

A atuação coordenada de duas empresas com sócios presumivelmente familiares, endereços praticamente sobrepostos e objeto social comum, configura violação material da vedação legal, ainda que não existam registros societários formais de coligação ou consórcio. A jurisprudência tem reconhecido que o vínculo não precisa ser formalmente constituído para que se configure a irregularidade:

TCU – Acórdão nº 1.793/2019 – Plenário

“Ainda que não configurada formalmente a relação de coligação ou de controle, os vínculos societários indiretos, o compartilhamento de estrutura e a atuação coordenada podem indicar tentativa de burlar a regra de vedação da participação simultânea.

”Acórdão TCU nº 996/2020 – Plenário

“Empresas com sócios familiares, situadas no mesmo endereço, com objetos semelhantes e que participam simultaneamente de licitações, configuram conluio e devem ser desclassificadas por simulação de competitividade.” A doutrina majoritária também reconhece como ilegítima a simulação de independência empresarial para burlar o caráter competitivo da licitação. Conforme leciona Marçal Justen Filho:

A configuração de fraude à licitação não exige prova de acordo formal ou contrato entre os licitantes; basta a demonstração de comportamento coordenado, aparência de disputa e identidade operacional, o que nega a integridade do certame.” (Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 18ª ed.)

No âmbito da contratação pública, o abuso da personalidade jurídica para fraudar ou frustrar o caráter competitivo do procedimento deve ensejar a responsabilização objetiva do grupo econômico oculto.

2. Do crime de fraude à licitação (Art. 337-F do Código Penal)

A participação coordenada de empresas com vínculos aparentes, como neste caso, caracteriza fraude em prejuízo à Fazenda Pública, nos termos do Código Penal:

Art. 337-F – Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição de bens ou serviços:

“Pena – reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.

A simples tentativa ou prática de simulação de lances concorrentes entre empresas de um mesmo grupo já configura o tipo penal acima mencionado, fato que resta devidamente demonstrado na presente representação.

3. Da responsabilização objetiva da pessoa jurídica (Lei nº 12.846/2013):

A conduta de simulação de independência entre empresas do mesmo grupo familiar com o objetivo de fraudar o caráter competitivo da licitação configura ato lesivo à administração pública, nos termos do art. 5º, inciso IV, da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), sendo cabível a responsabilização objetiva da pessoa jurídica envolvida:

Art. 5º. Constituem atos lesivos à administração pública:

IV – fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente.

4. Precedente mais recente do TCU:

Conforme o Acórdão nº 1.328/2022 – Plenário – TCU, é vedada a participação de empresas que, embora com CNPJs distintos e sem coligação formal, estejam ligadas por vínculos familiares e que: “…tenham identidade de endereço, contadores, padrões de proposta e atuação coordenada nos lances, o que configura infração ao princípio da isonomia e da moralidade. ”

III – DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se:

O recebimento e processamento da presente representação administrativa, para análise formal pela autoridade competente;

A inabilitação das empresas IRMÃOS ANJOS LTDA e POLY COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA, por fraude à licitação, com fundamento nos arts. 9º, inciso III, c/c 5º, inciso IV, da Lei nº 14.133/2021;

A instauração de processo administrativo investigativo, com ampla apuração dos fatos, oitiva dos representantes legais das empresas envolvidas, e análise detalhada dos documentos e elementos probatórios ora anexados;

Após as apurações e análises, que se proceda a inclusão da empresa na lista de licitantes inidôneos mantido pelo Tribunal de Contas da União por 5 anos e na lista de Licitantes Inidôneos mantido pelo Estado do Pará, conforme o instrumento convocatório.

Que após os procedimentos seja a presente denúncia encaminhada ao Ministério Público do Estado, em razão da ocorrência de crime.

Termos em que,

Pede deferimento.

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