Os Delegados. O Promotor. As Juras de Fidelidade. Os “10 pra Cada”. As “Encomendas”. A “Ponta” e o “Chinês”

 

O Antagônico publica a segunda parte do escândalo que abalou os alicerces do Ministério Público e da Polícia Civil do Pará. Neste capítulo mostramos várias conversas “cabeludíssimas”, travadas entre os delegados Arthur Nobre, Daniel Castro e o promotor Luiz Marcio Cypriano. De acordo com o relatório do MP, como é prática comum em associações criminosas, em diversos momentos seus integrantes juravam fidelidade recíproca para continuidade do esquema criminoso. 

No dia 29/12/2023 Arthur Nobre e Luiz Marcio Cypriano trocam mensagens sobre fidelidade recíproca. Na continuidade da conversa Arthur Nobre jura fidelidade a Luiz Marcio Cypriano e cita nomes de pessoas que não são confiáveis a eles por não compactuarem com o esquema criminoso (a exemplo do promotor de Justiça Carlos Stilianidi e o Delegado Geral à época, Walter Resende). No dia 03/01/2024 Luiz Marcio Cypriano orienta Arthur Nobre para que “não percamos o foco nas oportunidades” (referindo-se ao esquema criminoso). Em resposta Arthur Nobre diz “Deixa isso comigo” “Vamos brilhar” “Em 2024”.

No dia 08/01/2024 Arthur envia diversas mensagens de áudio dizendo, em uma delas, que pode até ser ladrão, mas seria fiel a Luiz Marcio:

Juliana tá passando muito mal, muito mal. Chefe, eu posso ser tudo, posso ser ladrão, posso ser ex-mulherengo, porque hoje eu não sou mais, posso ser o caralho, mas... infiel... eu não sou! Eu não sou! Eu não sou infiel! Pergunte pra Larissa, Larissa tava todos os dias lá comigo. Infiel eu não sou, ninguém pegou essa porra. Tudo que eu pego, deixo de pegar, eu falo pro senhor, porque eu não sou infiel. Em resposta Luiz Márcio diz para seguirem que “Será um grande ano”. Na sequência ambos novamente juram fidelidade.

No dia 15/09/2023 Arthur Nobre envia mensagem Bernardo pedindo para ele auxiliar Larissa (referindo-se a filha do promotor de justiça Luiz Marcio Cypriano) em uma missão.

“Bernardo tu vai precisar fazer a missão lá para Larissa que ela não conseguiu, em QUD. Liga para ela. Em seguida, Arthur Nobre envia dados bancários de Luiz Márcio Cypriano. Em resposta, Bernardo envia áudio informando que já havia conversado com Larissa que iria passar e deixar com ele.Eu já falei com ela chefe. Ela vai passar, vai deixar aqui pra mim. Não se preocupe que eu resolvo.”

Na sequência, Arthur Nobre envia número de CPF e Bernardo pede para confirmar se seria de Renata Gomes (esposa de Luiz Márcio Cypriano). Após confirmação de Arthur Nobre diz “Pronto chefe” “Missão concluída”. No período de 01/01/2021 a 09/05/2025, receberam um total de R$294.200,00 (duzentos e noventa e quatro mil e duzentos reais) de depósitos realizados em espécie em terminais de autoatendimento. 

Do mesmo modo, o promotor Luiz Márcio contava com a atuação de seu assessor Renan Louchard da Cunha Castro para a prática de atos ilícitos na promotoria de justiça e das contas de sua esposa Renata Gomes de Araújo e a filha Larissa do Amaral Cypriano para o recebimento dos valores auferidos ilicitamente. Em diversos momentos Renan Louchard, utilizando-se de senhas de acesso a sistemas do Ministério Público, repassava a Arthur Nobre informações de processos sigilosos de interesse da associação criminosa.

No dia 04/04/2023 Arthur Nobre pede que Renan Louchard veja andamento de processos em que pedira a prisão de Paulo Gabriell. Trata-se de inquérito que já havia sido avocado pela Corregedoria da Polícia Civil a pedido do juízo em razão dos indícios de irregularidades praticadas por Arthur Nobre durante as investigações. 

Em resposta Renan Louchard informa não estar encontrando o procedimento e Arthur Nobre explica ser o processo que o juiz Heyder encaminhou para a DECOR sem oitiva do MP. No dia 30/10/2023 Arthur Nobre encaminha a Renan documentos sobre representação apresentada por Paulo Brasil na DIOE relatando irregulares praticadas por Arthur Nobre na condução das investigações e diz que Luiz Márcio Cypriano irá pedir para ele analisar no dia seguinte.

“Renan, desculpa estar te mandando uma mensagem agora, mas esses são os dois processos que o Luiz Marcio vai pedir pra ti analisar amanhã. Aí eu pincelei algumas coisas aí, até porque me envolve também, e o delegado da DIOE, cara, ele foi muito safado com relação a isso.”

Em resposta, Renan Louchard encaminha ofício assinado por Luiz Marcio Cypriano solicitando a instauração de procedimento administrativo contra o delegado da DIOE Davi Bahury, o qual colheu o depoimento de Paulo Gabriell relatando as irregularidades praticadas por Arthur Nobre. Renan Louchard também atuava conjuntamente com Luiz Marcio Cypriano e Arthur Nobre na obtenção das vantagens ilícitas. No dia 17/01/2024 Arthur Nobre e Luiz Marcio Cypriano conversam sobre recebimento de vantagens indevidas

“Quase tudo certo do Reuteman para amanhã” “50” e acrescenta “O do cara da composição tbm, Okpa” “Dos 10 pra cada”.

No dia 18/01/2024 Arthur Nobre pergunta

“Quem vai fazer essa intervenção?” e Luiz Márcio Cypriano informa ser ele e Renan (referindo-se a seu assessor Renan Louchard da Cunha Castro). Em seguida Arthur Nobre diz que “Dei maior pressão no Reuteman e no outro advogado agora” “Estão correndo atrás”

Para o melhor funcionamento do esquema criminoso, diz o MP, Luiz Marcio Cypriano e o delegado Daniel Castro atuavam para que Arthur Nobre fosse lotado em delegacias onde conseguissem maior arrecadação ilícita de valores. No dia 16/08/2023 Arthur Nobre encaminha a sua esposa Juliana Pinho áudio enviado ao Delegado Geral de Polícia a época por solicitação de Luiz Márcio Cypriano.

“Chefe, boa... bom dia, né? Eu tô aqui na DG que eu vim pra uma reunião. Aí o padrinho, o nosso chefe lá, o LM, pediu pra eu entrar em contato com o senhor. Aí ele só fala assim ó, liga pro Walter que ele tá te esperando. Aí eu não entendi... Aí aqui eu soube que o senhor tá em Muaná. Aí o LM me ligou de novo pediu pra eu vir aqui uma hora, duas horas com o senhor. Eu tô em QAP.

Ainda no dia 16/08/2023 Arthur Nobre envia nova mensagem a sua esposa Juliana Pinho dizendo que estava em reunião na Delegacia Geral. Na sequência Arthur Nobre envia foto de ofício com sua nomeação para a Seccional do Comércio e diz estar esperando o DPC Carlos Daniel Castro. No dia 17/08/2023 Arthur Nobre conversa com o DPC Daniel Castro sobre a sua transferência para a Seccional do Comércio. Durante a troca de mensagens Carlos Daniel Castro pede a Arthur Nobre que “vá com calma” e que “aprenda com esses atropelos”. Em seguida, evidenciando que ambos atuavam conjuntamente na obtenção de recursos ilícitos em suas atividades funcionais, Arthur Nobre responde com as seguintes textuais:

“vou me preocupar com os casos, não com a ponta” (referindo-se a propinas/vantagens indevidas) e ainda afirma que irá avisar sua equipe que “Não é pra mexer” “Com chinês”. Apenas 05 (cinco) dias após assumir a Seccional do Comércio, em 22/08/2023, o escrivão Higor Damasceno envia mensagem a Arthur Nobre informando sobre as possibilidades de “ganhos” naquela seccional.

“Égua, eu tava conversando com o meu amigo, que era o escrivão lá... Falou que lá tem muita coisa boa. Muito caso bom, dependendo do delegado que seja. Porra, dá pra resolver muita situação boa ali por mês. Fora o... a parada que vem lá do... do chinês lá. Mas aí já... Ele falou que só ficava com o gavião e o... o cabral. Ninguém mais pegava.”

No dia seguinte (23/08/2023) o escrivão Higor Damasceno envia mensagem sobre equipe de policiais que iriam juntamente com Arthur Nobre para a Seccional do Comércio. No dia 24/08/2023 o escrivão Higor Damasceno envia mensagem a Arthur Nobre dizendo que deveriam “se segurar” muito tempo na Seccional do Comércio, pois era o lugar certo para eles.

“Porra, lá é um local bacana, a gente tem que segurar lá bastante tempo. É o lugar certo pra gente. Lá dá pra gente ficar bem, sem bronca. Todo mundo feliz”.

Ainda na conversa Arthur Nobre afirma que já tem o primeiro caso e envia foto de um documento que trata da requisição de instauração de inquérito policial expedida pelo Promotor de Justiça Luiz Márcio Teixeira Cypriano da Promotoria de Justiça de Controle Interno da Atividade Policial em desfavor de diretores e conselheiros da Unimed, seguida da mensagem “Pra semana estou alegrando seu coração.” (referindo-se ao repasse de valores).

No dia 15/09/2023 Arthur Nobre avisa que vai deixar uma encomenda (referindo-se a dinheiro) na portaria para Carlos Daniel Castro seguida de uma foto. Em seguida, Carlos Daniel Castro afirma que já havia recebido a encomenda, mas que não havia aberto o pacote. Posteriormente questiona: “Da Unimed?!”.

Em mensagem de áudio Arthur Nobre avisa que “ainda falta, um pouquinho, mas, falta”. No dia 17/09/2023 envia mensagem informando que enviaria o restante do dinheiro na quarta-feira: “Quarta-feira o resto”. 

No dia seguinte (18/09/2023) Arthur Nobre tenta fazer uma transferência bancária para Carlos Daniel Castro por meio da chave pix do número do celular, contudo, não conseguiu por não ter cadastro. O DPC Carlos Daniel Castro envia a chave pix correta e Arthur Nobre realiza a transação enviando o valor de R$2.000,00 por conta de titularidade de sua esposa, a promotora Juliana Nobre. Após a transferência do valor Arthur Nobre afirma: 

“Estou totalmente limpo agora”.

No dia 24/11/2023 Arthur Nobre encaminha dois documentos referentes a Votos de Aplausos que ele recebeu da Assembleia Legislativa do Estado do Pará do período que Arthur Nobre estava lotado no Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (DENARC). O DPC Daniel Castro o parabeniza com ironia e diz “Imagina se tivesse ficado mt tempo”. Em resposta Arthur Nobre envia áudio dizendo:

“Chefe, se eu tivesse ficado muito tempo lá, a gente teria aprendido droga pra caralho e eu e o senhor estaríamos rico pra caralho!”

Segundo a investigação do MP, os integrantes da associação criminosa também se articulavam institucionalmente na proteção de seus membros e gabavam-se de pretensamente controlarem do Delegado Geral de Polícia. No dia 04/04/2023 DPC Carlos Daniel Castro pergunta se “mexeram naquela cautelar?” e Arthur Nobre responde negativamente e que estava acompanhando. Em seguida, Carlos Daniel Castro explica que o Resende perguntou se ele havia respondido ao meritíssimo, e que ele não lembrava se tinha respondido. 

Na continuação da conversa Carlos Daniel Castro afirma que não sabe por qual motivo o Resende estava perguntando sobre essa cautelar. Em resposta Arthur Nobre pergunta a Carlos Daniel Castro “o senhor quer que eu mande intimar ele lá da promotoria da improbidade?”. Carlos Daniel Castro questiona qual seria a motivação de eventual “denúncia” contra o Delegado Geral Resende e Arthur Nobre responde que “tem várias” e enfatiza: “Peço para a Sabrina intimar, acaba com a graça”.

Em resposta, Carlos Daniel Castro orienta Arthur Nobre a usarem uma motivação “média” para que eles possam resolver e o Delegado Geral Resende ficar “devendo” esse favor. Arthur Nobre questiona sobre a motivação da “denúncia” e sugere “Diárias? “Plantões?”. Carlos Daniel Castro pergunta se o PGJ não iria interferir e Arthur Nobre responde negativamente e enfatiza: “Peço pra Sabrina chamar ele, e estarei lá com ela”. Em resposta Carlos Daniel Castro orienta que é melhor Arthur Nobre não estar presente para ele não ser vinculado à denúncia. 

Arthur Nobre novamente pergunta sobre a motivação da “denúncia” e sugere o depósito na conta da Seccional da Sacramenta referente ao pagamento de aluguel da referida seccional. Carlos Daniel Castro alerta que o motivo não pode “bronquear outras pessoas”. Em seguida, Arthur Nobre pergunta: “acertar pra tirar ele fica escroto?” e Carlos Daniel Castro responde que sim “Pq não se sabe quem viria” (referindo-se a substituir o Delegado Geral Resende) e que o “Melhor é deixar ele no cabresto.”

Arthur Nobre pergunta a Carlos Daniel Castro se o Delegado Geral Resende está “implicando” com ele e se foi deliberadamente que havia perguntado se ele já teria respondido o “Heyder” (se referindo ao juiz Heyde Tavares). Carlos Daniel Castro responde que foi durante uma conversa e que soube que o Delegado Geral Resende comentou que ele, Daniel Castro, queria o “lugar dele” (referindo-se ao cargo de Delegado Geral). Arthur Nobre pergunta “se tirasse ele, o Negão não viria?” e Carlos Daniel Castro responde que não sabe e enfatiza “Aí tira e vem alguém que não temos controle.”. Em respeito ao contraditório, O Antagônico deixa o espaço aberto para manifestação dos acusados.