Os Promotores. Os Delegados. A Associação Criminosa. O Sexteto. A Lavagem de Capitais. O Parquet e a Navalha na Carne

 

 

“Ei rapaz, tu quer cinco policiais contigo? Caralho... isso não é mais nem quadrilha, é um quinteto. Na verdade contigo é um sexteto”. Essa fala é do delegado da polícia civil do Pará, Carlos Daniel Castro, em áudio enviado ao delegado Arthur Nobre no dia 23 de agosto de 2023. O áudio, que revela um questionamento de Castro sobre o fato do colega solicitar cinco policiais para formar a sua equipe de trabalho na Seccional do Comércio, consta na denúncia do Ministério Público que resultou na prisão de Arthur Nobre e no afastamento do delegado Daniel Castro e do promotor de justiça Luiz Márcio Teixeira Cypriano. A promotora Juliana Nobre, esposa do delegado Arthur Nobre, não foi afastada.

Luiz Márcio Teixeira Cypriano ocupa atualmente o cargo de promotor de justiça do controle externo da atividade policial na comarca de Belém. Carlos Daniel Fernandes de Castro é diretor da Diretoria Metropolitana, umas das principais diretorias da Polícia Civil/PA, responsável por todas as delegacias de polícia da região metropolitana de Belém. 

A investigação teve origem em inquérito policial instaurado por portaria pela Delegacia Especializada em Investigação de Estelionato e Outras Fraudes – DIOE, após Paulo Gabriell da Silva Brasil de Mello registrar, boletim de ocorrência noticiando que Diego Almeida Kos Miranda, que está preso em Americano, havia utilizado indevidamente a empresa Atitude Negócios Imobiliários Ltda para a prática de crime de estelionato contra diversas instituições financeiras e fundos de investimentos, cuja ação criminosa lesou instituições financeiras em R$25.878.511,40 (vinte e cinco milhões, oitocentos e setenta e oito mil, quinhentos e onze reais e quarenta centavos) de instituições financeiras e fundos de investimentos. 

As investigações resultaram em 4 ações penais em desfavor dos investigados pelas práticas dos crimes de associação criminosa, estelionato, lavagem de capitais, corrupção ativa, corrupção passiva e falsificação e documentos públicos e particulares. Nessa primeira, de uma série de matérias que serão publicadas, com exclusividade por O Antagônico, mostraremos o detalhamento das investigações e o grau de envolvimento dos acusados, alguns com prerrogativa de foro. 

Para aprofundamento das investigações, foi necessária a anuência do TJE do Pará, através do desembargador José Roberto Pinheiro Maia Bezerra Júnior, que autorizou a instauração do procedimento investigatório criminal contra a promotora de justiça Juliana Dias Ferreira de Pinho Nobre, o promotor de justiça Luiz Márcio Teixeira Cypriano e o magistrado Jackson José Sodré Ferraz.  

De acordo com a representação do MP, no complexo esquema criminoso instaurado no cerne do sistema de segurança pública estatal, os integrantes da associação criminosa detentores de foro por prerrogativa de função, os promotores Juliana Nobre, Luis Márcio, buscavam ocultar suas condutas por meio de terceiros (delegados de polícia civil, policiais civis, escrivães, assessores do ministério público, servidores públicos, advogados e particulares), utilizando-se ainda de pessoas próximas (esposas, filhos e amigos) para a dissimulação e ocultação das vantagens indevidas obtidas. 

Para dissimulação e ocultação do recebimento das vantagens indevidas, os representantes do parquet utilizavam-se de contas bancárias mantidas em nome de terceiros, atuando os advogados como intermediários no recebimento das propinas de seus clientes para o repasse aos agentes públicos.

Consta no relatório do MP que, em diversas mensagens, Arthur Nobre refere-se a Daniel Castro como “pai” e “paizão”, bem como ao promotor Luiz Marcio como “padrinho”. Para que tivessem êxito na prática dos crimes, diz o MP, os investigados contavam com a atuação de Raquel Cristina Lima Valente, pessoa de confiança do delegado Arthur Nobre, que ora trabalhava diretamente com ele na delegacia de polícia, ora como assessora de Juliana Pinho, promotora de justiça e esposa de Arthur. 

Contatou-se que Raquel Valente mantinha relação profissional com Nobre, trabalhando diretamente nas delegacias de polícia, porém, sem vínculo formal com a Polícia Civil do Estado do Pará, recebendo pagamentos diretamente de Arthur Nobre. Simultaneamente ao trabalho na delegacia de polícia Raquel também auxiliava a promotora Juliana nas promotorias de justiça, tendo, em determinado período, trabalhado formalmente como assessora do Ministério Público em uma das promotorias de justiça de Ananindeua.

Em uma das conversas mantidas por Arthur Nobre com terceiro, ele expressamente refere-se à Raquel Valente como sua assessora. Contudo, no período desta conversa, Raquel Valente estava nomeada como assessora ministerial de Juliana Pinho, em Ananindeua. Além do vínculo profissional Raquel Valente também era do seu convívio pessoal e familiar, referindo-se a Arthur Nobre como “pai’ ou “paizão” e a Juliana Pinho como “mãe” ou “mãezona”. 

Em mensagem registrada no dia 22 de março de 2023, Arthur Nobre conversa com Raquel Valente e ambos demonstram preocupação com a forma de desligarem outra assessora de Juliana Dias Ferreira de Pinho.

Valores exorbitantes – Por meio de transferências eletrônicas, Raquel Valente transferiu R$ 339.543,15 (trezentos e trinta e nove mil, quinhentos e quarenta e três reais e quinze centavos) para as contas de Juliana Pinho somente no período de 01/01/2021 a 09/05/2025. Para o recebimento das vantagens financeiras indevidas o investigado Arthur Nobre também contava com a atuação de Andreza Maia de Souza, a qual emprestava suas contas pessoais e de pessoas jurídicas a ela vinculadas para o recebimento, ocultação e dissimulação dos valores ilícitos. 

Consta no relatório que somente por contas de Andreza Maia de Souza, no período de fevereiro/2022 a agosto/2024, o delegado Arthur Nobre recebeu R$1.512.535,00 (hum milhão, quinhentos e doze mil, quinhentos e trinta e cinco reais) de vantagens ilícitas.

Após o recebimento nas referidas contas, parte dos valores eram transferidos para contas indicadas pelo promotor Luiz Márcio Cypriano e pelo delegado Carlos Daniel Fernandes de Castro ou a eles entregues em espécie. Arthur Nobre, prossegue o relatório do MP, contava ainda com a atuação do policial civil Higor Almeida Damasceno e do servidor Bernardo Farias Blanco da Silva, os quais atuavam conjuntamente com ele na delegacia para êxito dos ilícitos praticados. Ambos, juntamente com Raquel Cristina Lima Valente, dentre outros atos criminosos, também se utilizavam de suas contas pessoais para recebimento, ocultação e dissimulação das vantagens indevidas obtidas com a atividade criminosa. 

Consta ainda na investigação que o escrivão Higor Almeida Damasceno realizou transferências bancárias para as contas de Juliana Pinho que totalizaram R$19.700,00 (dezenove mil e setecentos reais). Apurou-se que Higor Almeida Damasceno era o escrivão de confiança de Arthur Nobre para a execução dos crimes funcionais, sendo levado por Arthur Nobre para todas as delegacias que era lotado para continuidade do esquema criminoso. Posteriormente, relata o parquet, aderiu ao esquema criminoso o servidor Bernardo Farias Blanco da Silva, o qual também atuava na intermediação para o recebimento das vantagens indevidas e posterior repasse aos demais integrantes da associação criminosa. 

Do mesmo modo, o investigado Luiz Márcio Teixeira Cypriano contava com a atuação de seu assessor Renan Louchard da Cunha Castro para a prática de atos ilícitos na promotoria de justiça e das contas de sua esposa Renata Gomes de Araújo e filha Larissa do Amaral Cypriano para o recebimento dos valores auferidos ilicitamente. Em respeito ao contraditório O Antagônico deixa aberto o espaço para manifestação de todos os citados na reportagem. (matéria continua na sexta-feira, 19)

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